A Imutabilidade do Art. 144: freio à evolução policial – José Heleno S. Santos
Publicado por Redação em 07/10/2010 as 11:32
Arquivado em Opinião
Todo santo dia se fala em segurança pública no Brasil. A mídia trata do assunto continuamente. O povo cobra atuação da polícia. A polícia alega pouco efetivo, falta de recursos materiais, etc. É esse o cotidiano das discussões sobre o assunto.
Entretanto, nunca se ouviu nenhuma voz forte, seja do governo, seja da sociedade, falar em mudanças no sistema de segurança vigente. Quando muito, escuta-se um breve sussurro, quase surdo, como este artigo, a balbuciar algo novo, logo abafado pelos barulhentos holofotes de um modelo de segurança quase medieval. Ademais, nunca vemos os entendedores do assunto discutindo na mídia, com base técnica, saídas para a questão. Invariavelmente, e propositalmente, as discussões segregam-se na superficialidade das aparências e no senso comum, bem distantes das raízes do problema.
Por esse veio, se cabe à polícia reduzir a criminalidade e isso não ocorre, é dever do governo repensar sua política de segurança pública, sem prescindir de outras políticas públicas, que concorrem para uma melhor, ou pior, atuação policial, conforme o caso. Pois bem, apesar do avanço da criminalidade, a União insiste em manter um modelo policial em que duas polícias diferentes desempenham a mesmíssima função de combater o crime. Em parte, deve-se isso ao fato do Art. 144 da Constituição impor um “padrão” de polícia limitante, no qual cada corporação atua em apenas uma fase do trabalho policial (preventiva ou repressiva) e ignora a outra.
Ao fixar um modelo rígido, a Carta Magna foge à realidade de uma nação continental, de imensos contrastes regionais, que configuram um país complexo e plural. Os estados-membros, embora custeiem seus aparelhos policiais, são impedidos de escolherem o modelo e a maneira de como empregar suas polícias, e são obrigados a seguir a imposição constitucional, qual seja, o modelo dualista: uma polícia militar, força auxiliar e reserva do Exército, apesar de fazer o trabalho puramente civil de policiar e atuar no meio da população civil, e uma polícia civil, o que é redundante, porque a palavra “polícia” significa também civilização.
Geram-se assim dois pólos díspares. Para os militares da base da tropa, além da dura missão de fazer polícia, o peso dos regulamentos e normas castrenses lhes suga tempo e energia. Para os agentes, algo mais brando, e a dúvida de ser polícia de investigação ou judiciária. Em resumo, são duas estruturas diferentes, comandadas por elites policiais diferentes, que acabam não planejando nem atuando juntas, até porque têm formação totalmente diversa. Esse engessamento constitucional barra a evolução do sistema. Se o Art. 144 divide as polícias em duas, e as separa operacionalmente, a alteração desse dispositivo implicaria em um modelo moderno, ágil, coeso, eficiente, e menos caro.
É difícil entender porque depois de tantas mudanças na Constituição de 1988, o item que cuida da segurança tenha resistido a mudanças cruciais. A quem interessa, porquanto, o status e a petrificação do 144? Afinal, tudo mudou de 1988 para cá, inclusive os clamores da sociedade por uma polícia mais eficiente. Mas o Art. 144 permanece imponente. Imutável símbolo dos tempos em que a polícia era sinônimo da vontade dos caudilhos e não tinha qualquer identidade com o povo.
Sobre o autor
José Heleno S. Santos
PM e estudante de Direito
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